Publicado em 24.06.2015
David Garibaldi – Análise de Estilo com Transcrição
Quando eu tinha 14 anos ouvi David Garibaldi tocando a música Squib Cakes do album Back to Oakland (Tower of Power), e aquela introdução me intrigou, foi algo completamente novo para mim e como um bom “teimoso” que sou , me meti a tocar. Me tranquei com a batera por alguns dias e o melhor que consegui na época foi uma versão bem “meia boca” desta introdução, pois eu não tinha conhecimento suficiente para entender os conceitos envolvidos, e nem mesmo, técnica e coordenação necessária para executar. Passados mais de 15 anos, hoje tenho alunos que estavam na mesma situação que eu estive e vejo que essa introdução é um enigma para muitos, razão pela qual resolvi escrever este artigo que analisa o estilo de David Garibaldi e a transcrição da introdução de Squib Cakes, pois acredito que hoje posso acrescentar algo para aqueles que estão nessa luta.
Breve Biografia
Nascido em 1946 – Oakland, CA – David Garibaldi é um dos bateristas mais influentes de sua geração. Começou a tocar com 10 anos de idade e aos 17 já atuava profissionalmente. Como seu país (EUA) estava em guerra, David foi obrigado a servir o serviço militar e tocou na banda da força aérea americana até 1970. Após alguns anos tocando na banda da força aérea, David voltou a San Francisco e no verão de 1970 ingressou na banda Tower of Power, que foi essencial para desenvolver seu estilo.
Estilo
Como um grande fã dos funk drummers: Bernard Purdie, Zigaboo, Clyde Stubblefield e Jabo Starks, bem como dos bateristas de jazz: Sony Payne, Tony Willians e Elvin Jones, Garibaldi extraiu o que viu de melhor em cada um para usar como base e desenvolver seu estilo. Juntando a semicolcheia e atitude do funk com as frases melódicas do jazz, Garibaldi tornou-se um dos pioneiros do linear funk, juntamente com Mike Clark e Steve Gadd.
Como a finalidade deste artigo é dar uma visão geral sobre o estilo de David Garibaldi, acredito que devemos abordar 3 pontos que fundamentam seu estilo: Notas Fantasmas, Deslocamento Rítmico e Linear Drumming.
Notas Fantasmas (Ghost notes)
Notas fantasmas são notas tocadas a um volume bem baixo em relação as notas acentuadas. Essas notas preenchem os espaços dando unidade e consistência ao groove, como um chocalho, e se vc tocar de forma correta não será tão evidente, porém quando pára faz muita diferença.
Para entender as notas fantasmas de Garibaldi vamos olhar para a fonte de inspiração dele, Bernard Purdie. Bernard diz que as notas fantasmas devem ser “rebote controlado”, ou seja, não articule o movimento inteiro do pulso para tocar estas notas, use apenas rebote, com isso conseguirá um som muito mais baixo e sem esforço. Dessa forma será muito mais fácil de tocar uma nota fantasma logo depois do backbeat (ver compasso 1, tempo 2 da transcrição), sequência de notas muito usada por Purdie e Garibaldi. Uma boa referência de Bernard Purdie tocando ghost notes de forma espetacular está na música Home at Least do Album Aja (Steely Dan), o famoso Purdie Shuffle, ótimo tema para um próximo artigo…
As notas fantasmas podem parecer um obstáculo, porém é uma grande aliada para um groove mais sólido, pois ela preenche os espaços da subdivisão ajudando na consistência rítmica. Acredito que o erro mais comum quando se trata dos grooves do Garibaldi é negligenciar as notas fantasmas, pois sem elas o groove perde fluidez. Se repararmos na transcrição de Squib Cakes, todos espaços da subdivisão de semicolcheia são preenchidos, com exceção de uma nota no terceiro compasso.
Deslocamento rítmico (Rhythmic Displacement ou Permutation)
Deslocamento rítmico é o que o próprio nome supõe: deslocar a figura ritmica (sem alterá-la) para diferentes partes do tempo e/ou compasso. Essa é uma grande característica de David Garibaldi, como podemos ver nos seus grooves, criando assim uma ilusão rítmica que o tempo 1 está em outro lugar. Deslocamento rítmico já estava presente na música americana bem antes de Garibaldi. As bandas de swing já deslocavam seus riffs, e melodias de jazz já apresentavam essa característica também. Um tema conhecido que utiliza esse conceito é a música Oleo (Sonny Rollins).
Bateristas de jazz como Tony Williams, Elvin Jones e Jack Dejohnette desenvolveram amplamente este conceito, e Garibaldi como um grande fã de jazz, trouxe estas influências para o seu estilo, o funk.
Linear Drumming
Esse tópico é assunto para dezenas de páginas, que não é a finalidade deste artigo, porém como David Garibaldi é um dos precursores do estilo linear no funk, tentarei colocar de forma breve para que os que nunca ouviram falar de Linear possam acompanhar.
Muitos definem Linear drumming como uma forma de tocar bateria onde não se toca duas peças ao mesmo tempo. Pessoalmente prefiro definir como um modo de tocar que envolva apenas uma linha rítmica/melódica, que é distribuído entre os membros, colocando todas as peças em um mesmo patamar, diferente da forma “convencional” de se tocar funk/rock onde existe um ostinato no hihat e uma linha de caixa e bumbo por cima.
David Garibaldi e Mike Clark são os precursores do Linear Funk que nasceu nos anos 70’s, porém no final dos anos 50’s Roy Haynes e Mel Lewis já desenvolviam um conceito parecido no jazz, tocando de forma mais linear, que ficou conhecido como Broken Time Feel, e nos anos 60’s foi amplamente explorado por Tony Williams e Elvin Jones. Como o próprio Mike Clark declarou em entrevista, seu trabalho foi utilizar esse vocabulário em semicolcheias e incluir o backbeat. Uma ótima referência de Mike Clark tocando de forma linear é a música Actual Proof do Album Thrust (Herbie Hancock).
Na transcrição deste artigo, introdução de Squib Cakes, David toca de forma linear no terceiro e quarto compasso.
Transcrição – Squib Cakes (Introdução)
Como já vimos alguns pontos que constituem o estilo de David Garibaldi, vamos tocar a introdução de Squib Cakes do Album Back to Oakland – 1974 (Tower of Power).
Considerando que os compassos 1 e 2 tem o mesmo groove e os compassos 3 e 4 variam, complementando a introdução.
Vamos começar pela parte 1 – Groove (compassos 1 e 2)
* Neste groove existem 2 pontos que requerem mais atenção.
1 – Nos tempos 2 e 4 tem um backbeat seguido de uma nota fantasma. A primeira nota deve ser acentuada com rimshot e a segunda bem baixa, no mesmo volume das outras notas fantasmas. Lembre que nota fantasma é rebote controlado. Após o acento na caixa, controle o rebote para que a nota fantasma saia no tempo e volume corretos.
2 – Repare na abertura do hihat no “e” do 3 e na cabeça do tempo 4.
Para facilitar a assimilação , vamos dividir a parte 1, criando 2 exercícios. (Veja no vídeo os exercícios tocados de forma lenta e rápida)
Ex 1.1 – Tocaremos as notas dos tempos 1 e 2, e a primeira nota do tempo 3 (no caso o hihat) e hihat na cabeça do tempo 4 para marcar o pulso.
Ex 1.2 – Acrescentaremos as notas dos tempos 2 e 4, repetindo até que o groove fique sólido.
Parte 1 completa – Acrescente a abertura do hihat no “e” do 1 (compasso 1) e o acento na caixa na segunda semicolcheia do tempo 3 (compasso 2).
Passando para a parte 2, compassos 3 e 4.
Essa parte requer mais atenção, pois envolve o conceito linear e de deslocamento rítmico. Além dos pontos de risco que mencionei na parte anterior, existem outros. No compasso 3 (tempo 3) e no compasso 4 (tempo 2), existe uma nota fantasma seguida de uma nota acentuada, e novamente a nota fantasma precisa ser no mesmo volume das demais, e o acento precisa ser bem claro. Utilize a nota fantasma como preparação para a nota acentuada.
Esta segunda parte, vamos dividir em 3 exercícios.
Ex 2.1 – Tocaremos as notas do tempo 1 e 2 (compasso 3) e a primeira nota do tempo 3 (no caso o hihat) e hihat na cabeça do tempo 4 para marcar o pulso.
Ex 2.2 – Acrescentaremos as notas dos tempos 2 e 4 (compasso 3), e a primeira nota do tempo 1 do próximo compasso (no caso o bumbo) e hihat nos demais tempos do compasso.
Ex 2.3 – Acrescente as notasdo tempo 1 do compasso 3, finalizando no backbeat na cabeça do tempo 2 do mesmo compasso.
Parte 2 completa – Acrescente os demais tempos e faça um loop nestes 2 últimos compassos até estabilizar a divisão e a articulação.
Agora que você já está tocando os 4 compassos, a parte mais fácil é o fill de entrada, que deve ser tocado com toques simples (D E D E), para obter a mesma articulação da gravação.
* Preste atenção que a última nota do fill é uma nota fantasma e precisa ser tocada como tal, bem baixo.
OBS: O conteúdo deste artigo foi extraído dos cursos da Drum Village, para maiores informações sobre os cursos , entre em contato.
Transcrição Completa:
Conheça o instrutor
Thadeu Lenza
Baterista, Produtor e Educador. Thadeu Lenza tem dedicado os últimos 20 anos à música. Começou a tocar aos 8 anos de idade e teve oportunidade de trabalhar em diversos projetos e inúmeras formações, desde trios até orquestra jazz sinfônicas, com vários ícones da música como, Roberto Sion, Bocato e Claudio Roditi, para citar alguns. Em 2011, Thadeu recebeu bolsa de estudos para estudar na prestigiada Berklee College of Music in Boston/EUA, onde ele se graduou “with honors”. Atualmente está de volta a São Paulo, onde divide o seu tempo tocando em shows e trabalhado no seu estúdio, produzindo, gravando e lecionando. Saiba mais »